ZILA DA COSTA MAMEDE - CAPÍTULO 2





 Ana Cristina Cavalcanti Tinôco

O contorno das serras tornava-se rosado. Nas nuvens, uma aquarela em tons alaranjados, rubros e dourados começavam a se mesclarem e formavam um cenário de imagens com delineamento abstratos. A menina Zila sabia que aquele céu cheio de figuras encantadas era o passaporte para um novo mundo, até então desconhecido, que se descortinava em sua fértil imaginação de criança. Mundo que era criado e recriado ao se transformar com as imagens que surgiam a parir das mágicas palavras que sua mãe dizia ao olhar para os livros que lia para ela todas as noites.
Com esses momentos prazerosos, que antecediam o adormecer, que os irmãos Zila e Saly foram alfabetizados pela mãe Elydia Mamede. Zila aos 3 anos ouvia embevecida a voz doce da mãe que contava estórias e lia poesias sob a luz de lamparina. Uma luz que a transportava para outros reinos, onde príncipes e princesas tinham mesas fartas, se vestiam com lindos trajes costurados pela Rainha-mãe; roupas especiais que os faziam levitar e sobrevoar campos macios e branquinhos de algodão, que, por vezes, se confundiam com as nuvens. Nuvens fofinhas e leves como a sua caminha e seu travesseiro que pareciam envolver e engolir seu corpinho e seus olhos pesados, pesados...
Pouco a pouco a beleza daquele reino colorido e inusitado ia ficando difusa, se apagando, se misturando num jogo dançante de sombra e luz até surgir a escuridão do esquecimento que antecede os sonhos.
Então a menina adentrava o portal dos sonhos. Neles ela sobrevoava campos molhados pela chuva sempre desejada. Via o milharal que crescia e frutificava bonecas de cabelos ruivos e loiros e os pés de feijão que se enramavam, engordavam e lançavam suas vagens compridas e reluzentes, aspirando as paneladas de feijão verde com jerimum, temperadas com coentro, cebolinha e nata.
Em seus mergulhos aéreos Zila encontrava os avós e o primeiro irmãozinho que ela nem chegou a conhecer. Então era uma festa de abraços, cirandas e peraltices pelos céus dos sonhos. E, só se desvaneciam com os primeiros raios a transpassar as pálpebras da menina que, até então, passava a ouvir os galos e passarinhos saudando o colorido e iluminado raiar do sol em um novo dia.
Assim Zila iniciou em casa, sob o cuidado amoroso da mãe, o seu processo de alfabetização, tendo a poesia de Olavo Bilac como base para o seu passaporte ao mundo mágico das letras e da criação literária.

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